"Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta. Os poetas ensinam a ver..."
"A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados..." (texto de Rubem Alves: "A complicada arte de ver")
Acompanhada pela mais lúdica energia que sempre rouba minha atenção e me conduz à tantos lugares, onde outrora esqueci de pisar.
Essa minha lucidez está bem distante de ser o que todo mundo já definiu.
Vagalumes querendo minha companhia a todo custo, e eu confesso que me rendo :)
sem nenhum esforço.
.observando-fotografias-em-meu-criado-que-não-é-mudo-
Ode à Cebola
ResponderExcluirCebola
Luminosa redoma
pétala a pétala
cresceu a tua formosura
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra escura
se foi arredondando o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
foi o milagre
e quando apareceu
o teu rude caule verde
e nasceram as tuas folhas como espadas na horta,
a terra acumulou o seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar remoto
duplicou a magnólia
levantando os seus seios,
a terra
assim te fez
cebola
clara como um planeta
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
das gentes pobres.
Generosa
desfazes
o teu globo de frescura
na consumação
fervente da frigideira
e os estilhaços de cristal
no calor inflamado do azeite
transformam-se em frisadas plumas de ouro.
Também recordarei como fecunda
a tua influência, o amor, na salada
e parece que o céu contribui
dando-te fina forma de granizo
a celebrar a tua claridade picada
sobre os hemisférios de um tomate.
mas ao alcance
das mãos do povo
regada com azeite
polvilhada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no seu duro caminho.
estrela dos pobres,
fada madrinha
envolvida em delicado
papel, sais do chão
eterna, intacta, pura
como semente de um astro
e ao cortar-te
a faca na cozinha
sobe a única
lágrima sem pena.
Fizeste-nos chorar sem nos afligir.
Eu tudo o que existe celebrei, cebola
Mas para mim és
mais formosa que uma ave
de penas radiosas
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina
baile imóvel
de nívea anémona
e vive a fragância da Terra
na tua natureza cristalina.
Pablo Neruda
(este poema é citado na crônica do Rubem Alves, "a complicada arte de ver")
abraços poéticos
Oreny Júnior