quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Retratos


Quando eu me conheço.



Olhos firmes fitaram aquela linha de letras. Havia tempo que um conto não me transbordava tanto como aquele que li, reli e refiz ao mesmo tempo em que enganava meu frio com um casaco florido. As mãos ficavam de fora. Ilusão minha ter acreditado que fiquei a par da história na manhã em que as letras se revelaram tímidas, quase sem voz de quem pronunciava. Podia afirmar que o protagonista fosse um homem, salvo se eu tivesse um pouco mais louca do que me encontro agora, do que eu nunca me encontrei. Dizer “um homem” é vazio. Ele é digno de ser um alguém-invisível-que-caminhava-pisando-em-folhas, e sim, ele é tão estranho quanto você possa imaginar. Consequentemente, como para todos os estranhos dessa ordem, era ausente de regalias dentro de uma sociedade em coma. E ele não era o protagonista.

Comecei a imersão nesse mundo alguns dias posteriores à leitura, quando tornei a sentir frio again. O traço feito de lápis que fiz na página no livro de bolso voltava para mim. Dessa vez com mais sinceridade, com mais percepção dos sentidos. Eu sabia que conhecia aquele cara de algum lugar. Alguma rua estreita que assistia a orquestra dos grilos ou talvez numa das vezes que fui a padaria e acabava observando (e fazendo parte de) rostos vazios postos numa fila indiana.

Ele tinha uma margarida na mão direita e carregava um caderno de desenho em sua mão esquerda. Era canhoto, fato que me fez pensar que temos algo em comum, o que possibilita o  aumento de coisices a serem ditas em um dia de conversa, se um dia eu tiver a alegria de pisar em folhas na sua companhia. Ele sentava no banco do condomínio sempre ao entardecer quando o céu denunciava um vermelho-alaranjado, para desenhar rostos de pessoas que paravam perto dele, mas nunca o viam. Eu sabia onde encontrá-lo. E eu tinha aprendido a ser um pouco invisível para me aproximar dele.

O ar-condicionado da sala que estou agora maltrata a pele daqueles que não estão protegidos. O frio não é coadjuvante agora nem tampouco na história do homem canhoto. Foi por ele que vi sangue correr em minhas veias novamente, como lágrima que muitas vezes (a maioria delas) é responsável por manter você de pé. Saber despir, saber dispor. Alguém me perguntou se eu sentia frio, e ouvi claramente a voz daquele meu chapa que um dia resolvi imaginar ao grifar suas palavras que vinham como segredo: “Sinto frio, mas não o mesmo frio que você”. Sim, esses foram os dizeres. Os mesmos que me serviram, que me servem além do meu querer. Percebi o quanto eu gostaria de saber mais sobre meu futuro-suposto-estranho-amigo. Talvez apenas seu nome, qual sua cor favorita ou o que ele gosta de comer no café da manhã, mas alguém que sentia um frio bastante comum, me disse vagamente que ele estava morto. Contudo, o que esse alguém não sabia, é que isso nunca foi empecilho para mim.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Por um segundo



Se o cara do carro ao lado me olha é por poucos segundos enquanto o semáforo diz que está vermelho. Depois disso, ninguém saberá sobre seu joelho machucado ou perguntará o motivo da olheira absurda desenhada nessa cara pálida. Não sei o quão sadio e triste é conversar com espelhos, porque eles me traem e se acham no direito de estilhaçar a qualquer segundo, como se a culpa fosse toda minha de não passar nenhum pó de arroz na cara como artifício mágico para alguma coisa.

Não quero ter peso sustentável, e venho aprendendo isso aos poucos. Não quero cansaço no meu canto, porque é para ele que corro quando me assusto de madrugada. Também não quero fazer mimetismo de pensamentos corriqueiros que tentam me infiltrar por todas as partes, porque quando eu consigo juntá-las, é sempre na convivência com aquele que por vezes meu olhar despercebe. Sim, eu não posso ser tão egoísta se eu quiser me suportar.

Eu quero é parar o tempo para montar minha fazenda de legos e quando terminar, sentir uma conquista íntima de ter dominado o mundo - mesmo mergulhado em utopias - Eu quero esquecer o relógio que faz de tudo para mecanizar os sentidos, mas eu sei bem que esse mesmo relógio que repudio, é o mesmo que adianta os ponteiros para eu ir de encontro ao sorriso teu.

Eu queria não querer. Poderia até desenhar passos sem pressa com giz de cera sem me preocupar se essa seria uma vontade vinda da mente ou do coração, mas meu querer também é engasgo; meu querer silenciado também é grito. Eu queria falar sobre o girassol que brotou mansinho na manhã passada, mas o cara do carro ao lado não teve tempo para isso. Por um segundo eu me enganei.



sábado, 2 de fevereiro de 2013

indissolúvel

Para transformar deficiência em eficiência


Perdi as contas de quantas noites eu deitei a cabeça no travesseiro com a decepção de não ter escrito ou transcrito um punhado de coisas. Eu vivi muito durante esse tempo de ausência, mas eu queria ter contado sobre ela. Nos últimos dias me foi  dado um prazo de uma semana  para que minhas palavras perambulassem por todos os caminhos possíveis de tijolos amarelos, e que com um pouco de teimosia, é claro, eu administrasse minhas horas como sempre gostei de fazer. Essa ausência nunca durou muito porque não gosto de cotidianos frios, mas se por acaso demonstrei isso, perdoe-me, minha relação com o mundo é um tanto quanto exótica.

Eu posso falar sobre as dores que a velhice está aprontando com o meu cachorro agora, o que não machuca somente a ele, mas dói tanto que não me atrevo a transformar esse processo natural em poesia concreta. Posso quem sabe, discorrer a respeito de minha tentativa frustrada ao querer que pelo menos uma pessoa nesse mundo entenda o porquê eu preciso me despetalar toda para me moldar em prece um tempo depois, mas bem sei que ninguém precisa estar a par das próprias loucuras, que dirá das alheias. O mundo é feito de complexos, cansaços.

Eu não estou aqui porque simplesmente me estipularam um prazo para que palavras saíssem de minhas entranhas mundo a fora, mas sim, por eu acreditar que uma das maneiras que me auxiliam – não sei em que - seja exatamente esse despejo de sílabas, – não busque sentido em nenhuma delas – que no final das contas tudo se mostra como um verdadeiro vômito de coisas não ditas para mim mesma. Mantenho distância da auto-anulação. Escrevo porque vivo entre átrios e ventrículos.

Quem vos fala é uma velha, uma louca. A cada segundo sua própria imagem do nada se transfigura em molduras numa parede à meia luz. Certamente não está em minhas mãos escolher o tom que você quer colocar em seu cômodo, mas é tarefa minha saber o que eu tenho a ofertar. Há duas horas era sexta-feira, mas digo que meu relógio está absurdamente atrasado, por isso, de ontem em diante continua sendo o que eu quiser que seja. Acalento.


Entra pra ver, mas só depois de bater os pés no tapete.