Quando eu me conheço.
Olhos firmes fitaram aquela linha
de letras. Havia tempo que um conto não me transbordava tanto como aquele que
li, reli e refiz ao mesmo tempo em que enganava meu frio com um casaco florido.
As mãos ficavam de fora. Ilusão minha ter acreditado que fiquei a par da
história na manhã em que as letras se revelaram tímidas, quase sem voz de quem
pronunciava. Podia afirmar que o protagonista fosse um homem, salvo se eu tivesse
um pouco mais louca do que me encontro agora, do que eu nunca me encontrei. Dizer
“um homem” é vazio. Ele é digno de ser um
alguém-invisível-que-caminhava-pisando-em-folhas, e sim, ele é tão estranho
quanto você possa imaginar. Consequentemente, como para todos os estranhos
dessa ordem, era ausente de regalias dentro de uma sociedade em coma. E ele não era o protagonista.
Comecei a imersão nesse mundo
alguns dias posteriores à leitura, quando tornei a sentir frio again. O traço
feito de lápis que fiz na página no livro de bolso voltava para mim. Dessa vez
com mais sinceridade, com mais percepção dos sentidos. Eu sabia que conhecia
aquele cara de algum lugar. Alguma rua estreita que assistia a orquestra dos
grilos ou talvez numa das vezes que fui a padaria e acabava observando (e
fazendo parte de) rostos vazios postos numa fila indiana.
Ele tinha uma margarida na mão
direita e carregava um caderno de desenho em sua mão esquerda. Era canhoto,
fato que me fez pensar que temos algo em comum, o que possibilita o aumento de coisices a serem ditas em um dia de
conversa, se um dia eu tiver a alegria de pisar em folhas na sua companhia. Ele
sentava no banco do condomínio sempre ao entardecer quando o céu denunciava um
vermelho-alaranjado, para desenhar rostos de pessoas que paravam perto dele,
mas nunca o viam. Eu sabia onde encontrá-lo. E eu tinha aprendido a ser um pouco invisível
para me aproximar dele.
O ar-condicionado da sala que
estou agora maltrata a pele daqueles que não estão protegidos. O frio não é
coadjuvante agora nem tampouco na história do homem canhoto. Foi por ele que vi
sangue correr em minhas veias novamente, como lágrima que muitas vezes (a
maioria delas) é responsável por manter você de pé. Saber despir, saber dispor. Alguém me perguntou se eu sentia
frio, e ouvi claramente a voz daquele meu chapa que um dia resolvi imaginar ao
grifar suas palavras que vinham como segredo: “Sinto frio, mas não o mesmo frio
que você”. Sim, esses foram os dizeres. Os mesmos que me serviram, que me
servem além do meu querer. Percebi o quanto eu gostaria de saber mais sobre meu
futuro-suposto-estranho-amigo. Talvez apenas seu nome, qual sua cor favorita ou o que ele gosta de comer no café da manhã, mas alguém que sentia um
frio bastante comum, me disse vagamente que ele estava morto. Contudo, o que esse alguém não sabia, é que
isso nunca foi empecilho para mim.